segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Silêncio e caos

O cinza do horizonte acinzenta minha alma. Novembro teve muitos dias assim, encobertos, chuvosos, frios. Ao criar este blog, o objetivo era encontrar os amigos, repartir a mesa e as alegrias. Tristezas e problemas, administro-os sozinha. Foi o que sempre pensei. Para os amigos, o melhor de mim, meu afeto, minha alegria, meu ombro, minha mão.

Hoje, no entanto, minúsculos pontos brancos que rapidamente se desfazem no cinza do mar, o parque, onde caminho, quase deserto na segunda-feira, os bondinhos do Pão de Açúcar que passam lado a lado sem se tocar, o silêncio das maritacas, tudo isso me mostra a dor da solidão. Sinto falta do abraço. Quero um ombro.

O discurso da auto-suficiência tornou-se minha prática de vida desde muito tempo atrás. Ser forte, uma meta. Estar só e em silêncio, um desejo. Afinal, a vida é frágil. A literatura, um norte para compreender os sentidos do mundo.

O vento transmuda os coqueiros em espanadores gigantes. Não quero parar de caminhar, não quero parar de escrever enquanto caminho. Tenho fome. O papel, pequeno, de um lado informações sobre persianas e cortinas e portas, de outro, o suporte para a minha escrita, está no fim. Já completei o percurso usual e agora repito, creio que pela terceira vez, um terço do caminho. Vou e volto. Cantarolo uma canção: "a vida passa lentamente/e a gente vai tão de repente/tão de repente que não sente/saudades do que já passou..." Sim, não sinto saudades do que já passou, não a saudade triste, nostálgica, aquele sentimento que nos faz desejar retornar no tempo, não, sinto uma saudade alegre dos momentos vividos, das pessoas queridas, saudade do tipo 'foi muito bom ter vivido isto ou aquilo, ter conhecido pessoas e com elas partilhado alguma vivência'.

Remexo na bolsinha que carrego atravessada ao corpo e encontro um folder, papel couché, algo sobre uma nova consciência, um novo mundo. Estou cada vez mais cética. Escrevo agora em forma de anotação, palavras-chave para as frases que formularei mais tarde. Normalmente, escrevo o tempo todo, uma escrita mental que raramente ganha um corpo. Isto porque minha mente analítica me policia em demasia, me tolhe, me corrige, me critica. Li tanta literatura, estudei por demais os textos literários que não me permito escrever simplesmente. Este é o mal dos cursos de Letras, encurtam a imaginação. Quando cursei Economia, sentia-me mais à vontade para escrever.

Novembro do cinza me colocou frente a uma nova cirurgia. Nova porque será outra, com outros médicos, outros objetivos. Retirar os linfonodos da pelve e a vesícula. Sim, ao longo do processo quimioterápico surgiram uns microcálculos na menina e um cisto no rim esquerdo. Com este não devo me preocupar, dizem os médicos. O tipo de cirurgia, porém, já o conheço. No dia 22, completou um ano dessa minha nova história. Submeti-me a uma laparatomia exploratória para a retirada dos órgãos ginecológicos (útero, ovários, trompas) e parte do intestino. Os médicos estão entusiasmados, trata-se de um caso interessante, e finalmente poderão ver-me pelo avesso. Sou absolutamente favorável à ciência, tenho mesmo curiosidade científica, mas quando o objeto desse furor pelo conhecimento é o meu corpinho... hum, isto me desagrada um bocado. A menos que me fosse possível pairar no ar e assistir à intervenção. Adoraria.

Novembro brindou-me, ainda, com o sentimento de abandono. Meu oncologista foi embora. Mudou-se. Sem um gesto de despedida! Nossas pequenas discussões, nossos risos e gargalhadas, a foto dele neste blog, os quase oito meses de convivência, não foram suficientes para que criássemos uma relação de amizade? Ingrato. Cretino. Deixou de ganhar uma deliciosa garrafa de vinho importado. Homens de touro, às vezes, são i-n-s-u-p-o-r-t-á-v-e-i-s.

Aborreci-me imenso com uma pessoa que me é imensamente querida. Este meu modo de ser, sempre em busca da verdade... Céus, o que é a verdade, sobretudo hoje, nesse mundo globalizado e virtual? Saltam da memória os versos “uma parte de mim/pesa, pondera:/outra parte/delira.” Sim, meu lado ponderado prefere o verdadeiro, sempre; o delirante “está-se nas tintas”, e concorda que “há uma imensa vida pela frente, para sermos amigos sempre”. Ah, o tênue fio do equilíbrio...

A alegria dispersou-se, as dúvidas assaltaram-me, será que tomei a decisão certa? Adiar a cirurgia para janeiro não dará chance às células tortas? Por que o cabelo demora tanto para crescer? As dormências nos pés continuarão por quanto tempo? Se a parte física está bem, a que me permite continuar minhas atividades, porque as lágrimas insistem em molhar meu rosto? ????????????????? Perguntas fartas, respostas magras.

Novembro não se vestiu todo o tempo de cinza. Diverti-me nos almoços, lanches e jantares, alguns com as amigas, outros com a família, em passeios com o Bartolomeu, o cão amigo de todas as horas, com os passos da dança de salão, com o novo filme do Woody Allen, na festa de encerramento da exposição de fotografias da minha amiga Christina Amaral... Surpreendi-me e emocionei-me com o post da Alda (do blog viver outra vez), acompanhei os blogs amigos, comecei a ler outro livro (mas não sei se vou terminá-lo)... Adorei os mimos das meninas portuguesas...

A fome me faz dar por terminada a caminhada. Passo à sessão de alongamento e vejo o mundo de cabeça para baixo, o vermelho das flores do flamboyant toca a terra ainda molhada, o mar acima da linha do horizonte... Na volta para casa, um casal jovem parece perdido, ofereço ajuda, procuram um lugar para almoçar, sim, na próxima rua à direita. Nos braços do homem, dobrados a formar um ângulo de noventa graus, um bebê dorme, o corpo diminuto muito bem aquecido. O homem caminha como quem oferece um presente. A vida é forte. Eu é que sou frágil. Demasiadamente humana.

Mal entro em casa, a chuva desaba sobre o Rio de Janeiro. Forte, quase em linha reta.

28 comentários:

Isa disse...

olá May, muita força e animo, é que é preciso.
Vais conseguir, o tempo é o melhor conselheiro, é ele que nos vai pondo melhor, é ele que faz o cabelo crescer, para tudo é preciso tempo, e paciencia.beijinhos e tem um bom dia.

Isa disse...

Maisa!
A caminhada é muito longa, mas vais rapidamente alcancer a meta... não desanimes, o cabelo vai crescer (o meu levou tres meses e meio), a dormencia dos pés vai passar (também leva algum tempo), tens de acreditar e não é por estares longe que não estás no nosso pensamento, muito pelo contrário, foste lembrada no nosso 8º encontro, tu e todas as que não poderam estar presentes.
Podes sempre contar com a minha amizade e o meu ombro amigo, ainda que do lado de cá do Atântico.
Um beijo do tamanho do mundo, cheio de paz e amizade.
Isabel Alegria

Mimas disse...

May, que texto lindo e tão sentido, obrigada por o partilhares connosco.

E se há dias cinzentos também os há de sol tal como o que deste à Gigi no post anterior, vais ver que sim.

Há o sol e há as amizades e por isso nós estamos sempre aqui, para dar o ombro e mais que precises e queiras.

Beijos,
Mimas

Cristina J. disse...

May, minha querida, muito obrigado pela partilha.
É como se tivessemos estado as duas sentadas lado a lado, a conversar e a dividir afectos.

Mais dias solarengos te brindarão, não desanimes, que este cinza logo logo dará lugar a um azul luminoso e a uma esperança renovada.
Não te esqueças nunca, que mesmo tão longe nós estamos aí, junto de ti, a dar-te muito colo e um ombro onde possas pousar a cabeça e os sentimentos.

Um bejo grande e força nesta etapa menos boa da doença. Desejo-te o melhor, o mesmo que quero para mim...

Alda disse...

Oh Maisa que texto mais lindo...

Que bem que escreves, nota-se que és alma sensivel e carente!

Fiquei muito emocionada com as tuas palavras, e se eu pudesse corria para aí para te dar o abraço de que tu precisas!
Que pena o Brasil não ficar aqui ao lado... Ia já a caminho...

Força, e acredita sempre!
Vai dando notícias! Beijinho.

Alda disse...

Esqueci-me de agradecer as tuas lindas palavras, e a foto do nosso grupo de teatro!
O melhor do Mundo para ti!

Gatapininha disse...

Olá Maisa, muita força! Ser forte também é saber pedir miminhos quando estamos em baixo!

Não desanimes, as dores hão-de passar e o cabelo crescer:) Eu já não tenho dores e o meu cabelo já está quase com um centimetro, agora está preto! Ainda à três semanas me cairam as sombrancelhas e as pestanas e voltarm pretas lol Estes efeitos levam muito a passar.


Um abraço bem grande e apertadinho desta tua amiga que está a torcer para que tudo te corra pelo melhor:)

Anônimo disse...

Que texto tão lindo e tão sentido.
Logo, minha querida as coisas se irão compôr.
Um beijo grande.
Carmen.

Lina Querubim disse...

Oh Miga não fiques assim tão nostálgica,estamos aqui do outro lado do Atlântico sempre de olho em ti a vida tem destas coisas, um dia bom outro menos bom mas vais conseguír! Daqui a uns tempos não vai passar de uma lembrança lá longeee...e vaís viver em paz! Coragem está aquase, deitas o ano de 2008 pra trás das costas e começas tudo de novo!
Beijinhos fica com Deus



Abraços significam amor para alguém com quem realmente nos importamos.....
para nossos avós ou nossos vizinhos, ou até mesmo para um ursinho amigo......

Um abraço é algo espantoso... é a forma perfeita de mostrar
o amor que sentimos, mas que palavras não podem dizer.

É engraçado como um simples abraço faz-nos sentir bem...
em qualquer lugar ou língua...
É sempre compreendido...
E abraços não precisam de equipamentos, pilhas ou baterias especiais...
É só abrir os braços e o coração...

Guarde este abraço !

Sente-te abraçada, fecha os olhos e imagina o meu abraço :)

Anônimo disse...

Olá May, fiquei sem palavras perante, palavras tão tindas e sentidas.
Quero somente enviar te um abraço, bem apertado, coberto de mimos e força e desejar que tudo corra bem e vai correr de certeza.
Beijos
Vanda

IsaLenca disse...

Mesmo em dias cinzentos ou carregados de nuvens há sempre raios de sol que rompem tudo e espreitam para nos aquecer com o seu calor. E há que aproveitar!
Um xi! Bjs

May Alek disse...

Obrigada a todas!
Escrever às vezes funciona como uma válvula de escape. Foi bom partilhar com vocês.
Beijos

Nela disse...

maísa,

Beijinhos. No silência não há só caos, há também paz e harmonia. Tem dias!

Anônimo disse...

Lindo Texto. Como vc escreve lindo. Sinto nao estar ai para te dar o abraco apertado. Coloco o "barrete" como dizem os portugueses no "Touro" apesar de ser quase do ultimo dia hahaha. Forca, forca, forca....e muitos e muitos abracos aqui de Paris que esta linda. linda, linda para o Natal. Beijos, Lui

Nilma Lacerda disse...

May, querida,
essa história de a faculdade de literatura não te deixar livre para escrever, sei não. Preconceito, maus professores, e você, que quebra paradigmas, se tomarmos o conceito como um paradigma. Como sustentar a afirmativa se você escreve com pele e nervo, ar e fole?
Minha admiração, escritora da enfermidade e da saúde,
Nilma

Sol no Coração disse...

Olá Maysa,
venho deixar um beijinho cheio de luz,e dizer-te:tenho andado arredada dos blogues pois ,mal conseguia escrever,(caí e parti um pulso)mas com o tempo,tou a melhorar(já consigo mexer melhor os dedos...oh amiga,muita força e não desanimes ,espero que tudo corra pelo melhor!Obrigada por passares lá no meu cantinho;0)
Um beijo e um raio de Sol(da amiga do lado de cá).
Lia
Ps-escrever faz bem para a alma...Coragem amiga!

Sol no Coração disse...

Oh May,
venho dizer-te que estou melhorzinha:0)Obrigada pelo carinho!Espero que estejas bem;0)
Beijocas
Lia

Anônimo disse...

Maísa,
Que texto lindo e sentido!!
Aquela tarde/ noit e foi tão legal que precisamos repetir tão logo passe este fim de ano escolar.Ficamos de nos reencontrar e vamos fazer isso, deixa passar eo dia 18.
Beijos e enregia.
Eliene

O Profeta disse...

Este Mar que beija a Ilha
Traz de longe sonhos perdidos
Adormece na areia e deixa
Na espuma mil e um segredos

Meus sonhos são estrelas que semeio no espaço
São corpo nu que vagueia pela saudade
Brotam e correm para o Mar
Enfrentam a dor a tempestade


Boa semana


Mágico beijo

Carecaloira disse...

Gostava de saber como estás, espero que bem.

Deixo um beijo bem grande
Marina

PS: Tens um desafio no meu cantinho

Unknown disse...

Querida maísa, que tudo esteja a correr bem consigo.Grande beijo e abraço a atravesssar o oceano com muita fé.
Zélia

Lina Querubim disse...

Olá Amiga May, como vais?
O blog está paradinho...queremos ver coisinhas novas, ver-te motivada vá lá coragem sabemos que não é facil mas confia em Deus!

Beijinhos grandesssss

Abraço Amigo
Aproxime-se mais.
Tente sentir do que um abraço é capaz.
Quando bem apertado, ele ampara tristezas, sustenta lágrimas, combate incertezas, põe a nostalgia de lado.

É até capaz de amenizar o medo.
Se for cheio de ternura, ele guarda segredos, e jura cumplicidade.

Um abraço amigo de verdade divide alegrias e se apraz em comemorações. Abraços são pequenas orações de fé , de força e energia.

Olhe para o lado: há sempre alguém que quer ser abraçado e não tem coragem de dizer.
Enlace-o. O pior que pode acontecer é ganhar de volta um sorriso de carinho, ou, quem sabe, uma palavra sincera.
Você vai descobrir que ninguém esta sozinho e que a vida pode ser um eterno céu de Primavera.

Autoria Desconhecida

May Alek disse...

Agradeço as palavras carinhosas, a energia boa que flui junto com as palavras.
Beijos e abraços a todos.

Cristina J. disse...

Bom dia May, como te sentes?

Venho agradecer as palavras que me deixaste no blogue. Fiquei emocionada.

Espero do coração que estejas melhor.

Bjinhos e ainda não me esqueci da receita que te devo para troca. Vai ser um docinho de Natal

Anônimo disse...

Um beijinho de boa semana.
Carmen.

Sol no Coração disse...

Olá amiga,
passei para deixar um grande beijinho...espero que estejas bem!
Muita força e esperança!
Um xi-apertadinho da amiga do lado de cá.

Gatapininha disse...

Olá Maisa
Espero que esteja tudo bem.
jokas e bom fim-de-semana.

Sol no Coração disse...

Olá Maysa,
espero que estejas bem amiga!
Um beijinho cheio de luz e tem uma boa semana.
Lia