Em 1968, eu tinha dez anos e já havia lido o Dom Quixote, de Cervantes. Martin Luther King afirmava "I have a dream". Meu sonho, como o de toda menina, era crescer rápido, mas meu desejo não era chegar à maioridade, eu queria ter logo 40, 50 anos. Acreditava que nessa faixa etária alcançaria a sabedoria. E ao mesmo tempo morria de vontade de embarcar numa máquina do tempo rumo ao ... passado! Paradoxal? Sim e não. Nossa caixa de sonhos comporta tantos paradoxos. Outro exemplo: já quis ser jornalista e piloto de fórmula um. Ahahahaha. Hoje nem mesmo dirijo. Por pura comodidade.
Mas foi nessa idade que comecei a perceber as desigualdades, as diferenças marcadas pela exclusão, pelo desrespeito, pelo preconceito, pela intolerância.
Dom Quixote e Luther King sonharam. O primeiro permanece no sonho, o segundo foi impedido de ver o seu (quase) realizar-se. Revendo os quarenta anos de 1968, percebo que alguns sonhos alavancam nosso caminhar, outros iluminam o percurso, uns se concretizam, muitos não. Hoje vivemos num
tempo-espaço comprimidos, tudo ao mesmo tempo-agora-em todo lugar. Ainda é possível sonhar?
Aos 50 anos, compreendo que a tal sabedoria manifesta-se com uma certa lentidão (o que é bom, assim ainda tenho muito o que aprender) e como o ativista negro, sem a pretensão de me comparar a ele, posso dizer: eu tenho um sonho. Construído com a força das palavras-ações de Luther King, de Graciliano Ramos, de Paulo Freire e de algumas outras vozes e transformado em sementes lançadas nas minhas salas de aula. Certamente não o verei realizado, mas isto não importa muito. O mundo continua a caminhar, os passos estão menos desequilibrados, as pessoas se conscientizando cada vez mais... Otimista, eu? Talvez.
6 comentários:
Lindo! Amei!
Belíssimo texto!
Quero mais!!! Mais um!
Você escreve muito, muito bem, amiga!
Beijão
Cintia
Obs.: como anônimo consigo enviar rápido o comentário ... Hehehe!
Não só o sonho e o poder são comuns a esses mestres _ Luther King, Graciliano, Paulo Freire _ mas também a força de suas palavras. Cada qual engajado em sua luta soube dar força expressiva a sua voz e alcançar o que queriam, mesmo não presenciando o feito. Todos sabiam o poder da palavra e como tomá-la para si e constituir-se como sujeito por meio dela é imprescindível em um mundo onde os que ainda acreditam na humanidade são considerados utópicos. Mesmo que não sejamos figuras com alta expressividade e reconhecimento como os mestres citados, fazemos parte também daqueles que lutam por meio de palavras. Cada semente que você diz lançar em uma sala de aula, mesmo que não a veja dar frutos, tem consciência de seu feito. É dessa sua capacidade otimista que muitos educadores precisam quando entram em sala desestimulados. Aproveitando para citar outro mestre, Drummond: “Lutar com palavras é a luta mais vã”, tomemos consciência de como nossas palavras podem ajudar a mudar as desigualdades sociais se por meio dela constituirmos sujeitos capazes de questionar a situação atual e engajarem-se na luta. É possível mover moinhos. Acreditemos nisso!
Oi, Glauce.
Que bom tê-la aqui.
Volte sempre que puder.
Um beijo carinhoso.
Cíntia,
obrigada.
vc é muito fanzoca, hein?!
beijinhos.
Karina e Karine,
Bem-vindas ao Donas da Língua!
Sim, "lutar com palavras é a luta mais vã", mas o poeta não desiste: "luto corpo a corpo, luto todo o tempo, sem proveito maior que o da caça ao vento".
Não podemos desistir, nunca. Ainda que não sejamos poetas.
Boa sorte pra vocês e obrigada pelo comentário.
Abraços
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